Toninho Geraes e Adele: plágio ou não? — Foto: Fotos de Fernando Lemos e Niklas Halle'n / AFP
GERADO EM: 19/01/2025 - 16:33
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O cantor e compositor Rafael Bittencourt,da banda Angra,prepara um laudo para atestar que a canção “Million years ago”,da cantora britânica Adele,é um plágio do samba “Mulheres”,de Toninho Geraes. O documento foi encomendado pela advogada de Geraes,Deborah Sztajnberg.
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Assinada por Adele e pelo produtor americano Greg Kurstin,“Million years ago” foi incluída no álbum “25”,lançado pela cantora em 2015. Já “Mulheres” havia sido gravada duas décadas antes,por Martinho da Vila,no disco “Tá gostoso,tá delícia”.
Em decisão liminar,o juiz Victor Torres determinou a suspensão da canção “por qualquer meio,físico ou digital”,afirmando que “há relevantes semelhanças melódicas”,mas acrescentou que não havia prova de que se trata de plágio. A defesa de Toninho contrataram uma banda para executar as duas músicas em estúdio,e anexou as gravações no processo. Para o juiz,a sobreposição das gravações indica “quase integral consonância melódica”. Após audiência em dezembro,o magistrado suspendeu os ofícios às plataformas digitais,ou seja,a canção pode continuar nos serviços de streaming,mas sua execução continua proibida em outros meios (como shows,por exemplo).
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O laudo de Bittencourt visa atestar que a “consonância” entre as duas canções é sim índice de plágio. Ao GLOBO,o músico explicou que há uma “sincronicidade perfeita” entre as várias “camadas” que compõem as duas obras: melodia,ritmo e harmonia.
— Existem muitas coincidências para que tudo não passe de pura coincidência — afirma ele. — As duas obras podem ser executadas simultaneamente sem cacofonia,sem macular a harmonia,a ideia rítmica ou a melodia.
Para ajudar na compreensão dos leigos,Bittencourt elaborou uma analogia:
— Imagine que eu peça para várias pessoas desenharem um trem com uma locomotiva e sete vagões,representando a regra dos oito compassos musicais. Os vagões podem ter tamanhos diferentes. E cada um deles deve ter pelo menos quatro camadas com texturas e cores diferentes. Qual a chance de duas pessoas,no mundo todo,desenharem praticamente o mesmo trem?
No pedido de suspensão da liminar,a defesa de Adele e da Universal Music Publishing,sua editora no Brasil,argumentou que não há plágio. “As semelhanças entre as duas canções (...) se devem,em síntese,ao fato de que várias canções se utilizam de um clichê musical”. O clichê mencionado pela defesa se refere a uma Progressão de Acordes pelo Círculo de Quintas,“uma sequência harmônica amplamente conhecida e utilizada desde o período barroco (exemplos em Vivaldi,Bach e Händel)”.
Para Bittencourt,o argumento é uma “tentativa desesperada de defender uma coincidência quase exata”. O músico,porém,não acredita que o plágio é resultado de má-fé. Ele afirma que é comum que,ao criar,músicos tomem como suas ideias que eles tiraram de outras músicas,que ouviram em determinados contextos e não se recordam.
Por exemplo: Adele e Kurstin podem ter ouvido “Mulheres” diversas vezes em elevadores,cafés ou salas de espera e,sem conhecer autoria da música,absorveram a canção quase inconscientemente,a ponto de reproduzi-la sem se dar conta de que ela já existia. É por isso,reforça Bittencourt,que músicos devem sempre checar se suas ideias são realmente inéditas — há,inclusive,aplicativos que ajudam nisso.
— Eu já tive ideia de música que depois descobri que era um sucesso da Turquia que tinha ganhado uma versão no Brasil e provavelmente ficou na minha cabeça.
Deborah Sztajnberg,advogada de Geraes,elogia o didatismo do laudo preparado por Bittencourt. Ela conta que,inicialmente,elaborou uma lista com uma centena de músicos brasileiros que poderiam redigir o documento e optou por Bittencourt após definir alguns critérios. Ela queria que o autor do laudo não fosse sambista,como seu cliente,para evitar acusações de coleguismo; que fosse uma pessoa reconhecida internacionalmente; que dialogasse com a música popular e,ao mesmo tempo,tivesse uma sólida formação clássica. A advogada acredita que o laudo terá um “impacto brutal” no processo.
A ação pede a derrubada completa da música de Adele e que ela não interprete mais a “canção-plágio” em suas apresentações até que a ação seja julgada,além do repasse proporcional de todo o valor de direitos autorais que a britânica teria recolhido desde o lançamento de “Million years ago” e uma indenização de R$ 1 milhão (valor mínimo exigido pela lei brasileira,explica a advogada).
Esta semana,Sztajnberg participa de um congresso sobre direitos autorais em Dubai,nos Emirados Árabes Unidos,e dará uma palestra sobre como conseguiu a liminar que proíbe a execução de “Million years ago” (e que vem sendo descumprida,diz ela) e na qual detalhará o processo.