De olho no Brics, Talibã amplia laços com a Rússia em busca de reconhecimento do regime

2024-10-21    HaiPress

Chanceler da Rússia,Sergei Lavrov (D),ao lado do chanceler apontado pelo regime Talibã no Afeganistão,Amir Khan Muttaqi,em Moscou — Foto: Ministério das Relações Exteriores da Rússia / AFP

RESUMO

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GERADO EM: 21/10/2024 - 04:30

Talibã busca reconhecimento em reunião do Brics na Rússia

O Talibã busca reconhecimento ao tentar participar da reunião do Brics na Rússia,estreitando laços com Moscou. A relação pragmática entre os dois envolve interesses políticos e de segurança,com a possibilidade de retirada do Talibã da lista de organizações terroristas russas. A inclusão do grupo em eventos internacionais sugere uma tentativa de legitimidade,num contexto de aliança antiocidental com Rússia e China. A aproximação visa diálogo e estabilidade,apesar das controvérsias em relação aos direitos humanos.

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Nas semanas que antecederam a cúpula do Brics,que começa nesta terça-feira na cidade russa de Kazan,houve uma intensa movimentação para uma inclusão de última hora: o Talibã,que controla o Afeganistão desde 2021,e que não é oficialmente reconhecido por nenhum Estado,incluindo a Rússia. O consenso sobre o convite é difícil,mas a movimentação,com aval de Moscou,expõe os crescentes laços entre os talibãs e o Kremlin,uma relação marcada pelo pragmatismo e por paradoxos.

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O primeiro aceno veio em setembro,quando o porta-voz adjunto do Talibã,Hamdullah Fitrat,disse que “como uma economia em desenvolvimento,o Afeganistão precisa participar de tais encontros econômicos”. No caso,a reunião do Brics.

— O Emirado Islâmico (como o Talibã se refere ao regime) está buscando uma presença no próximo fórum do Brics,e o pedido foi formalmente comunicado à nação anfitriã — disse Fitrat,se referindo à Rússia.

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Uma carta o pedido foi enviada ao vice-premier russo,Yuri Ushakov,mas,ao menos em público,Moscou afirma que tal convite só poderia ser confirmado “com o aval de todos os membros”.

Até o momento da conclusão desta reportagem,não havia confirmação por parte da organização de que os talibãs estariam em Kazan,e segundo um interlocutor do governo brasileiro,ouvido pelo GLOBO,a presidência russa do Brics não incluiu o Afeganistão entre os países que solicitaram entrada no bloco.

— O Talibã vê três objetivos nessa aproximação: um,eles querem o reconhecimento da Rússia. O segundo é que eles não querem falar sobre direitos humanos,querem laços formais mas não querem tocar no assunto. E o terceiro fator é que a Rússia é uma potência,com quem o Afeganistão poderia contar no futuro — disse ao GLOBO Sahibzada Usman,pesquisador na Universidade de Shandong.

Pragmatismo russo

Oficialmente,o Talibã está na lista de organizações terroristas do governo russo desde 2007,o que não impediu que os dois lados mantivessem o diálogo. Em 2015,por exemplo,o hoje representante da Rússia para o Afeganistão,Zamir Kabulov,reconheceu a existência de canais de contato para enfrentar um inimigo em comum,o Estado Islâmico (EI).

Em 2018,os EUA acusaram a Rússia de “exagerar” o número de combatentes do EI como desculpa para armar os talibãs,que jamais abandonaram o enfrentamento ao regime internacionalmente reconhecido em Cabul. Em um paradoxo histórico,acusações similares foram feitas por Moscou contra os americanos,que forneceram armas aos “mujahedin” que combateram as tropas soviéticas entre 1979 e 1989,um embrião do Talibã como se conhece hoje.

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O caos que se seguiu à desastrosa retirada americana em agosto de 2021 e ao retorno do Talibã ao poder foi recebido com apreensão por boa parte da comunidade internacional,inclusive por setores do governo russo,mas soou como uma oportunidade para o presidente Vladimir Putin.

— Quanto mais cedo o Talibã entrar na família das pessoas civilizadas,por assim dizer,mais fácil será contatar,comunicar e,de alguma forma,influenciar e fazer perguntas — disse o líder russo,em setembro de 2021.

Militante talibã ameaça pessoas que aguardam do lado de fora do aeroporto de Cabul,em agosto de 2021 — Foto: Jim Huylebroek/The New York Times

A Rússia não tem afinidades ideológicas com o Talibã,como possui com outros regimes aliados ao redor do mundo: as ideias do grupo,pautadas por uma visão deturpada do Islã,com restrições aos direitos de mulheres e minorias étnicas e perseguição a fiéis de outros credos,já foram criticadas por representantes russos,incluindo o embaixador do país na ONU,em julho.

Mas o pragmatismo fala mais alto. Mesmo sem reconhecer o regime talibã,as trocas comerciais entre os dois países atingiram,em 2023. US$ 1 bilhão (R$ 5,68 bilhões)— no ano anterior,o volume foi de US$ 170 milhões (R$ 965,72 milhões),segundo dados da representação comercial russa no Afeganistão. Desde 2022,integrantes da milícia são convidados para o Fórum Econômico Internacional de São Petersburgo,um dos principais eventos do Kremlin,com o cuidado para que as delegações não incluam pessoas sob sanções.

Bloco antiocidental

Em 2010,militares americanos estimaram que havia cerca de US$ 1 trilhão (R$ 5,68 trilhões) em recursos minerais não explorados em solo afegão,mas que só podem ser de fato retirados caso haja o mínimo de condições de segurança e infraestrutura. Um plano ainda mais distante seria usar o Afeganistão como rota para um futuro gasoduto ligando a Rússia à Índia,mas os desafios logísticos são consideráveis,uma vez que a obra precisaria passar por cadeias de montanhas e dependeria da extensão de uma rodovia que hoje termina perto da fronteira com Uzbequistão e Tajiquistão.

E além dos russos,a China intensificou o diálogo com o regime,e já considera incluir o Afeganistão em sua Iniciativa Cinturão e Rota,um dos pilares da diplomacia econômica de Pequim.

— Eu colocaria esse movimento no contexto não só da Rússia,mas também da China,de criar um bloco antiocidental na competição global pelo domínio em diferentes partes do mundo,que envolve esses três países: Afeganistão,Rússia e China. Eles geralmente estão unidos contra o Ocidente liderado pelos EUA,e o Talibã se encaixa nesse contexto porque é um regime autoritário,assim como Rússia e China — disse ao GLOBO Thomas Ruddig,especialista em Afeganistão com décadas de experiência no país.

Pelo lado político,os gestos são ainda mais ousados. Em maio,o governo russo indicou que poderia retirar o Talibã da lista de organizações terroristas,com o aval do próprio Putin — no começo de outubro,durante reunião do grupo de contato regional sobre o Afeganistão,conhecido como “Formato Moscou” (do qual o “chanceler” talibã participou pela primeira vez),Kabulov disse que o sinal verde “precisa ser acompanhado por vários procedimentos legais para que isso se torne uma realidade”.

— A Rússia disse também que o reconhecimento completo só aconteceria quando houvesse um governo inclusivo,e quando mostrassem algum avanço nos direitos humanos. Mas acho que isso é um sinal claro em direção ao reconhecimento diplomático — disse Ruddig. — Rússia e também a China já estão se movimentando: os chineses colocaram um embaixador em Cabul,em janeiro,e a Rússia não está tão distante.

Soldado do Talibã observa prisioneiros do lado de fora de presídio em Kandahar — Foto: Javed Tanveer / AFP

Diálogo x estabilidade

Uma parte importante dos gestos de Moscou também diz respeito à segurança. O Talibã é formalmente inimigo do hoje conhecido como Estado Islâmico do Khorasan (EI-K),organização que assumiu a autoria de atentados dentro da Rússia nos últimos anos,incluindo o massacre no centro comercial Crocus City Hall,nos arredores de Moscou,em março,quando 144 pessoas morreram.

— A Rússia acredita que para manter a Ásia Central estável e manter sua influência ali,é necessário dialogar com o Talibã,especialmente por conta do EI-K — opinou Usman. — Eles avaliam que essa organização é mais perigosa que o Talibã.

Até o momento,as iniciativas russas não passam de planos,mas elas começam a trazer frutos para o lado talibã: o convite para a reunião do “Formato Moscou”,com a participação do chanceler de fato do país,deu um breve ar de legitimidade ao regime,e a iminente retirada da lista russa de organizações terroristas pode ser um passo para um eventual reconhecimento.

Apesar de possivelmente fadado ao fracasso,o pedido para se sentar à mesa em Kazan mostra que o “Talibã 2.0”,embora com o mesmo radicalismo do primeiro período em que comandou o Afeganistão,não quer ser visto como pária,mesmo ignorando as normas que regem — ou deveriam reger — a comunidade internacional.

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