Queimadas no Pantanal avançaram cerca de 1000% antes mesmo do auge da temporada do fogo — Foto: Divulgação/Governo do MS
GERADO EM: 26/08/2024 - 04:31
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Queimadas no Pantanal,Cerrado e Amazônia ainda dão notícia,mas já viraram lugar comum no verão. Não emocionam tanto,e as associações e ONGs que tentam conter o desastre relatam dificuldades para conseguir doações. Luciana Leite,defensora da Biodiversidade e do clima da Environmental Justice Foundation (Fundação para a Justiça Ambiental),que está treinando brigadistas indígenas no Pantanal,me disse que “as pessoas estão perdendo a capacidade até de se indignar”.
A “fadiga” climática não é novidade. Mistura-se ao “fatalismo do clima”,descrito pelo climatologista Michael Mann,no livro “Nosso momento de fragilidade: como lições do passado podem nos ajudar a sobreviver à crise climática”,publicado em 2023 nos EUA. Mann distingue ali os “negacionistas” dos “fatalistas”.
Negacionistas recusam-se a aceitar as evidências do aquecimento global.
Já os fatalistas são aqueles que aceitam a realidade do problema,mas jogaram a toalha. Não negam que existe uma crise climática e reconhecem a evidência sólida de que essa crise é resultado da ação humana. Mas renderam-se ao desânimo: afirmam que já é tarde demais para evitar o pior,e que tentativas de,por exemplo,forçar uma redução do uso de combustíveis fósseis apenas criarão mais burocracia,confusão e sofrimento humano,sem resolver nada,porque não há solução possível.
As teorias da conspiração também sofreram mudanças. Se antes os negacionistas acusavam os climatologistas de fabricar ou exagerar dados,agora os fatalistas os acusam de esconder ou minimizar os dados e efeitos das mudanças climáticas para não assustar a população.
O fatalismo é insuflado no debate público por grupos que têm a perder — dinheiro,prestígio,votos — caso a humanidade decida fazer algo concreto (tipo parar de furar novos poços de petróleo) para evitar o pior cenário da mudança climática. Mas a facilidade com que a mensagem é acatada merece análise.
Uma hipótese para explicar o crescente número de fatalistas do clima,pelo menos nos EUA,é a tendência de enxergar a ciência como binária. A ciência é apresentada na escola como um corpo de conhecimento fixo,com respostas de sim ou não,certo ou errado. Mas na verdade,a ciência é um processo de investigação que leva em conta incertezas e probabilidades.
Quando vemos o conhecimento científico como binário,os alertas do IPCC (Painel Intergovernamental para Mudança do Clima) sobre os riscos associados a um aquecimento superior a 1,5°C passam a ser encarados como sentenças de morte. Mas não é isso que o IPCC diz. O painel descreve efeitos que se tornam cada vez mais prováveis se permitirmos que o aquecimento supere 1,5°C,2°C ou 3°C. Mas certamente não diz que não é possível ou desejável diminuir as emissões de carbono. Um aquecimento de 1,5°C é indesejável,mas é certamente menos catastrófico do que 2°C. E 2°C ainda é preferível a 3°C. Cada um desses números representa um cenário diferente de elevação da taxa de extinção de espécies,perda de biodiversidade e exaustão de recursos.
Outro fator que pode afetar o comportamento é a percepção do risco. Passamos de um risco visto como algo muito distante,para efeitos imediatos – como fumaça,fuligem,enchentes – e muito frequentes,contribuindo para a sensação de que tudo está perdido.
Encontrar o equilíbrio na comunicação de risco é sempre complicado. É preciso alertar sem criar pânico. Conscientizar para provocar ação,e não assustar a ponto de criar paralisia. Noticiar sem criar fadiga em torno do tema e normalizar o intolerável. Para isso,precisamos de uma sensibilidade interdisciplinar,com climatologistas estatísticos,psicólogos e especialistas em comunicação de ciência e risco. As vezes a semântica faz mais diferença do que os dados!